Algumas crianças se referem a
si mesmas na terceira pessoa. "João está com fome." Pouco tempo
depois, aprendem a palavra mágica "eu" e a equiparam ao seu nome, ao
qual já atribuíram o significado de quem elas são. A palavra "eu" não só é empregada com freqüência, mas, comumente
associada com palavras correlatas: "mim", "meu",
"comigo", para designar
as coisas que, de alguma forma, são parte dele. À medida que o ser cresce, o
pensamento do "eu" passa a atrair outros pensamentos e a se identificar
com nacionalidade, gênero, raça, religião, profissão, bens materiais, o corpo
percebido pelos sentidos, mãe, pai, marido, esposa, opiniões, conhecimentos
acumulados, além de fatos que aconteceram no passado e cuja lembrança são
pensamentos, os quais definem a percepção da identidade como "eu e minha
história" e outros aspectos, dos quais as pessoas extraem sua percepção de
quem elas são. No fim das contas, eles não passam de pensamentos reunidos de
maneira precária por conterem todos o sentido da identidade egóica.
A maioria das pessoas se identifica com pensamentos involuntários e
compulsivos e as emoções que os acompanham – podendo se dizer que estão
possuídos pela mente. Quem se encontra inconsciente disso acredita que aquele
que pensa é quem ele é. Essa é a mente egóica. Egóica porque existe uma
percepção do eu, do ego, em todos os pensamentos. Tais pensamentos por sua vez,
o conteúdo da mente, é condicionado pelo passado: pela formação, pela cultura,
pelos antecedentes familiares, etc. O núcleo central de toda a atividade mental
consiste em determinados pensamentos, emoções e padrões reativos repetitivos e
persistentes com os quais nos identificamos com mais intensidade. Essa entidade
é o próprio ego.
Na maioria dos casos, quando dizemos "eu", é o ego que está
falando, e não nós próprios. O ego compõe-se de pensamentos e emoções, de uma
série de lembranças que reconhecemos como "eu e minha história", de
papéis habituais que desempenhamos sem saber e de identificações coletivas,
como nacionalidade, religião, raça, classe social e orientação política. Ele
contém ainda identificações pessoais não só com bens, mas com opiniões,
aparência exterior, ressentimentos antigos e conceitos sobre nós mesmos como
melhores do que os outros ou inferiores a eles, como pessoas bem-sucedidas ou
fracassadas. O conteúdo do ego varia de pessoa para pessoa, no entanto todo ego
funciona de acordo com a mesma estrutura. Em outras palavras: os egos diferem
apenas na superfície. No fundo, eles são iguais.
Para sustentar o pensamento do eu, ele precisa de algo oposto, que é o
pensamento "o outro". O "eu" não consegue sobreviver sem o
"outro". Os outros são sobretudo os outros quando os vemos como
inimigos. Numa extremidade da escala desse padrão egóico de consciência, situa-se
o hábito compulsivo de encontrarmos defeitos nas pessoas e nos queixarmos
delas. Jesus referiu-se a isso quando disse: "Por que vês tu o argueiro no
olho de teu irmão e não reparas na trave que está no teu olho?"
Queixar-se é uma das estratégias prediletas do ego para se fortalecer.
Não importa se a queixa é apenas em pensamento. Alguns egos sobrevivem apenas
com queixas. Reclamar, sobretudo de alguém, é algo que pode tornar-se habitual,
aplicando rótulos mentais negativos às pessoas. Xingar é o modo que o ego tem
de estar certo e triunfar sobre os outros chamando-os de"idiota",
"desgraçado", "prostituta". Num nível mais abaixo da inconsciência,
estão os gritos, não muito abaixo encontrando-se a violência física. O ego
adora reclamar e se ressente não só de pessoas como de situações. O que podemos
fazer com alguém também conseguimos fazer com uma circunstância: transformá-la
num inimigo.
O ressentimento é a emoção que acompanha a queixa, acrescentando ainda
mais energia ao ego. Ressentir-se significa ficar magoado, melindrado ou
ofendido. Embora o ressentimento costume ser a emoção que acompanha a queixa,
ele também pode vir junto com uma emoção forte, como a raiva ou outra forma de
contrariedade, tornando-se mais carregado energeticamente. A reclamação então
se transforma numa atitude reativa, outra maneira que o ego encontra para se
fortalecer. Existem muitas pessoas que estão sempre esperando pela próxima
coisa contra a qual reagir para que possam se sentir irritadas ou perturbadas -
e nunca demora muito até que encontrem o que procuram
Queixar-se, assim como encontrar erros nos outros ou assumir uma atitude
reativa reforçam o ego, dando-lhe uma sensação de superioridade que o faz se
expandir. As queixas - por exemplo, sobre trânsito, políticos, cobiça,
incompetência, colegas de trabalho ou ex-cônjuge - podem nos proporcionar
sentimentos de superioridade, pois quando nos queixamos, subentende-se que
estamos certos, enquanto a pessoa ou situação da qual reclamamos ou à qual reagimos
está errada. Nada fortalece mais o ego do que estar certo.
A certeza "Estou certo e você errado" é perigosa para os
relacionamentos pessoais e para as
interações entre países, tribos, religiões, e assim por diante. No entanto, so
fato de sustentarmos que estamos certos e os outros errados é uma das maneiras
que o ego tem de se sentir fortalecido,
O ego tende, então, a equiparar ter com ser: eu tenho, portanto
eu sou e quanto mais eu tenho, mais eu sou. O ego se identifica com possuir,
como um sentimento profundo de insatisfação, de estar incompleto, de "não
é o bastante", "não tenho o suficiente", "não sou o
bastante ainda". Ter - o conceito de propriedade - é uma ficção criada
pelo ego para adquirir solidez e permanência e se destacar, tornar-se especial,
a necessidade de mais, o que podemos também chamar de "desejo".
A motivação inconsciente por trás do ego é fortalecer a imagem de quem
nós pensamos que somos, cuja força motivadora é sempre a mesma: a necessidade
de aparecer, ser especial, estar no controle, ter poder, ganhar atenção e a ter
necessidade de experimentar uma sensação de oposição, de ter inimigos. O ego
sempre quer alguma coisa das pessoas ou das situações. O ego tem a necessidade de
se sentir sempre superior. Se uma pessoa tem mais, sabe mais ou pode fazer mais
do que nós, o ego se sente ameaçado porque o sentimento de "menos"
diminui sua percepção imaginada do eu em relação a ela. Assim, ele pode tentar
se recuperar procurando, de algum modo, criticar, reduzir ou menosprezar o
valor das capacidades, dos bens ou dos conhecimentos desse indivíduo. Ou pode mudar
de estratégia: em vez de competir, vai se valorizar por meio da associação com
essa pessoa, caso ela seja considerada importante aos olhos dos outros.
Um ego que quer alguma coisa do outro - e que ego não deseja isso - em
geral representa um tipo de papel para satisfazer suas
"necessidades", que podem ser: ganhos materiais; sensação de poder,
de superioridade e de ser especial; além de um sentimento de gratificação, seja
física ou psicológica. Em geral, as pessoas não têm nenhuma consciência dos
papéis que representam. Elas são esses papéis. Alguns deles são sutis, enquanto
outros são óbvios, exceto para quem os interpreta. Há aqueles criados com o
único objetivo de atrair a atenção de alguém. O ego prospera quando angaria a
atenção dos outros, porque ela é, acima de tudo, uma energia psíquica. Como não
sabe que a origem de toda a energia está dentro da pessoa, ele a procura
externamente. Porém, sua busca não é pela atenção sem forma - a presença -, e
sim pela atenção numa forma, como reconhecimento, elogio e admiração. Certas
vezes, só o fato de ser notado de alguma maneira já vale como um reconhecimento
da sua existência.
Quando não conseguem obter elogios nem admiração, alguns egos procuram
outras formas de chamar a atenção ou interpretam papéis para consegui-la. Caso
não obtenham atenção positiva, podem buscar atenção negativa - por exemplo,
provocando uma reação desagradável em alguém. Embora as estruturas sociais do
mundo contemporâneo sejam menos rígidas do que as das culturas antigas, ainda
existem muitas funções (ou papéis) preestabelecidas com as quais as pessoas se
identificam de imediato e que, assim, se transformam numa parte do ego. Isso
faz com que as interações humanas sejam privadas de sua autenticidade e se
tornem desumanas e alienantes.
O ego em si é patológico, o que, no grego antigo, deriva de pathos, que
significa sofrimento. Uma pessoa dominada pelo ego, contudo, não reconhece o
sofrimento como sofrimento - ela o considera a única resposta adequada em
qualquer tipo de situação. O ego, na sua cegueira, é incapaz de ver a dor que
inflige a si mesmo e aos outros. Com efeito, o ego cria separação, e a
separação causa sofrimento. Portanto, o ego é claramente patológico. Além de
suas manifestações óbvias, como raiva, rancor e inveja, o negativismo assume
formas mais sutis que, por serem muito comuns, não costumam ser reconhecidas
como tal, como impaciência, irritação, nervosismo e sensação de estar
"cheio" de uma situação ou de alguém, isto é, de ter chegado ao
limite. Muitos transtornos mentais são constituídos de traços egóicos. A doença
mental chamada esquizofrenia paranóide, ou paranóia, é essencialmente uma forma
exagerada de ego.
A raiva e o ressentimento exacerbam o ego, enfatizando a diferença em
relação aos outros e criando a postura "estou coberto de razão". Quando
somos dominados por essas disposições negativas, elas prejudicam o
funcionamento do coração e dos sistemas digestivo e imunológico, além de muitas
outras funções corporais, tornado óbvio que esses estados são de fato
patológicos, isto é, são formas de sofrimento, e não de prazer. Sempre que nos
encontramos nesse tipo de condição, há algo em nós que deseja o negativismo,
que o percebe como prazeroso ou que acredita que ele nos dará o que desejamos.
Além da agitação do pensamento, existe outra dimensão do ego: a emoção.
Isso não quer dizer que todo pensamento e toda emoção pertençam ao ego. Esses
elementos se convertem no ego apenas quando nos identificamos com eles ou
quando eles assumem o controle sobre nós, isto é, quando se tornam o eu.
A exortação "Conhece-te a
ti mesmo" é, antes de qualquer outra indagação, quem sou eu? As pessoas
inconscientes, presas ao ego, nos dirão quem elas são: seu nome, sua ocupação,
sua história pessoal, a forma ou a condição do seu corpo e outras coisas com as
quais se identifiquem. Outras podem parecer mais evoluídas porque se consideram
almas imortais ou espíritos divinos. Conhecer a si mesmo é, entretanto, algo
muito mais profundo do que a adoção de um conjunto de idéias ou crenças. As
idéias e crenças espirituais podem, no máximo, ser indicadores úteis, no
entanto poucas vezes têm o poder de desalojar os conceitos centrais mais firmemente
estabelecidos de quem pensamos que somos, os quais fazem parte do
condicionamento da mente humana. O profundo autoconhecimento não tem nada a ver
com nenhuma idéia que esteja flutuando em torno da nossa mente. Conhecer a nós
mesmos é estarmos enraizados no Ser em vez de estarmos perdidos na nossa mente.
Quanto mais limitada, quanto
mais estreitamente egóica é a visão que temos de nós mesmos, mais nos
concentramos nas limitações egóicas - na inconsciência - dos outros e reagimos
a elas. Os "erros" das pessoas ou o que percebemos como suas falhas
se tornam para nós a identidade delas. Isso significa que vemos apenas o ego
nos outros e, assim, fortalecemos o ego em nós. Em vez de olharmos
"através" do ego deles, olhamos "para" o ego. E quem está
fazendo isso? O ego em nós. As pessoas muito inconscientes sentem o próprio.
O ego pode ser definido
simplesmente assim: um relacionamento desajustado com o momento presente. Mas
podemos decidir que tipo de relação queremos estabelecer com o momento
presente. A decisão de converter o momento presente em nosso amigo é o fim do
ego. Para o ego, é impossível estar alinhado com o momento presente, isto é,
com a vida, pois sua própria natureza o impele a ignorar e desvalorizar o Agora
ou resistir a ele. O ego vive do tempo e, quanto mais forte ele é, mais o tempo
controla nossa vida. Assim, quase todos os nossos pensamentos expressam uma
preocupação com o passado ou com o futuro, enquanto nosso sentido de eu depende
do passado para nossa identidade e do futuro para preenchê-la. Medo, ansiedade,
expectativa, arrependimento, culpa, raiva são as disfunções do estado de
consciência atado ao tempo.
Tudo de que precisamos para nos livrar do ego é estarmos conscientes
dele, uma vez que ele e a consciência são incompatíveis. A consciência é o
poder oculto dentro do momento presente. É por isso que podemos chamá-la de
presença. Se o eu - o ego - fosse de fato quem somos, seria um absurdo
"negá-lo". O que permanece é a luz da consciência, sob a qual
percepções, sensações, pensamentos e sentimentos vêm e vão. Isso é o Ser, o
mais profundo e verdadeiro eu
A alegria do Ser, que é a
única felicidade verdadeira, não pode nos acontecer por meio de nenhum tipo de
forma, bem material, realização, pessoa, fato, isto é, por intermédio de nada
que ocorra. A alegria não acontece para nós - nunca. Ela emana da dimensão sem
forma em nosso interior, da consciência em si, portanto é una com quem nós
somos.
Obs: as presentes notas contem foram colhidas e
adaptadas do livro “Um Mundo Novo – O Despertar de Uma Nova Consciência”, de
autoria de Eckhart Tolle.
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