domingo, 23 de fevereiro de 2020

A FÉ


O Que é a Fé ?



O vocábulo “fé” tem várias acepções. No sentido comum, significa a confiança do indivíduo em si mesmo, pois os que dela são dotados, são capazes de realizações que pareceriam impossíveis, àqueles que de si duvidam. Dá-se, igualmente, o nome de fé à crença nos dogmas dessa ou daquela religião, casos em que recebe adjetivação específica: fé cristã, fé judaica, fé católica, etc. Existe, por fim, a fé pura, a fé não sectária, que se traduz por uma segurança absoluta no amor, na justiça e na misericórdia de Deus. De todas as espécies de fé, esta é, sem dúvida, a mais sublime e também a mais difícil de ser encontrada, por constituir apanágio de poucas almas de escol, cujo aprimoramento vem de longo tempo. 

O vocábulo em questão é proveniente do latim fides, cuja tradução é fidelidade, a qual é entendida pelos espiritualistas como fidelidade a Deus, mediante a estreita observância das leis por Ele estabelecidas, leis estas que foram trazidas ao conhecimento da humanidade, ao longo dos tempos, por vários avatares e outros espíritos de luz,  destacando-se, dentre eles, Jesus, o Cristo.

A fé é essencial para o homem, pois lhe oferece consolação, coragem e resignação nos momentos difíceis da vida. A fé sincera e verdadeira é sempre calma, dá a paciência que sabe esperar, porque, apoiando-se na inteligência e na compreensão das coisas, tem a certeza de atingir o objetivo. A fé vacilante sente sua própria fraqueza; quando é estimulada pelo interesse, torna-se enfurecida e acredita que, aliando-se à violência, obterá a força que não tem. A calma na luta é sempre um sinal de força e de confiança; a violência, ao contrário, é uma prova de fraqueza e dúvida de si mesmo. 

Ter fé em Deus é guardar no coração a luminosa certeza de que nosso Pai existe e não deixa ao desamparo nenhum dos seus filhos, convicção essa que ultrapassa o âmbito da simples crença religiosa. Conseguir fé é alcançar a possibilidade de não mais dizer: “eu creio”, mas sim: “eu sei”, com todos os valores da razão tocados pela luz do sentimento. Essa fé não fica estagnada em nenhuma circunstância da vida e sabe trabalhar sempre, intensificando a amplitude de sua iluminação, pela dor, pela responsabilidade, pelo esforço e pelo dever cumprido. Traduzindo a certeza na assistência de Deus, ela exprime a confiança, que sabe enfrentar todas as lutas e os problemas, com a luz divina no coração. 

Fé versus Crença


Segundo alguns teólogos, raciocina-se sobre a crença, mas não sobre a fé. A fé, segundo eles, é uma virtude, um dom que transcende à própria razão. Por colocarem-na como virtude ou dom transcendental, pertencente exclusivamente à área do sentimento, é que muitas pessoas confundem emoção com fé. Por isso, é comum pessoas dizerem ter sentido uma fé imensa, capaz de levá-las a grandes realizações, no momento em que ouviam o relato de passagens do Evangelho, ou de ações levadas a efeito por benfeitores da humanidade, ou até mesmo em decorrência da simples leitura de uma página edificante. A emoção, a vibração espiritual que, os atos nobres suscitam nas almas, já portadoras de alguma sensibilidade, não pode ser confundida com fé. O estado emocional é transitório, enquanto a fé é permanente. A emoção, se analisada e orientada pela inteligência, pode ser auxiliar valiosa para levar a criatura a modificar-se para melhor.

Em seu livro “O Consolador”, Emmanuel estabelece uma distinção entre crer e ter fé. Crer diz respeito à crença. O ato de crer em alguma coisa demanda a necessidade do sentimento e do raciocínio para que a alma edifique a fé em si mesma. Inspiração divina, diferentemente da simples crença, a fé desperta todos os instintos nobres que encaminham o homem para o bem e, como tal, é a base da regeneração. Idêntico ensinamento encontramos no cap. VII – 2a Parte do livro “O Céu e o Inferno”, de Kardec, no qual está transcrito que “A crença é o primeiro passo; vem em seguida a fé e a transformação por sua vez, mas, além disso, força a que muitos venham revigorar-se no mundo espiritual”.  

Fé Raciocinada versus Fé Cega


Assim, do ponto de vista religioso, a fé consiste na crença em dogmas especiais que distinguem as diferentes religiões e sob esse aspecto a fé pode ser raciocinada ou cega. A fé cega, como o próprio nome indica, tudo aceita sem verificação, tanto o verdadeiro quanto o falso, e pode, obviamente, a cada passo, chocar-se com a evidência e a razão. Assentada no erro, cedo ou tarde desmorona. Somente a fé que se baseia na verdade garante a sua perenidade, porque nada teme do progresso das luzes, pois o que é verdadeiro na obscuridade, também o é à luz meridiana. Duas condições requer a verdadeira fé. A primeira é não rejeitar a razão e poder ser, assim, raciocinada. A segunda condição é prender-se à verdade, sem jamais compactuar com a mentira. Se não for esclarecida pela razão, pode conduzir ao fanatismo, à chamada fé cega, que é a negação da própria fé.

A Fé nas Palavras de Jesus – A Fé Raciocinada


É de Kardec este conhecido pensamento: “Fé inabalável somente o é a que pode encarar frente a frente a razão, em todas as épocas da humanidade”. A importância da fé é destacada por ele em várias passagens de sua obra, como Jesus o fez em diversos momentos, como o trecho, anotado por Mateus, em que o Mestre afirmou a seus apóstolos que, se eles tivessem fé do tamanho de um grão de mostarda, diriam a uma montanha: “Transporta-te daquí para ali e ela seria transportada”.  

Entretanto, é lícito se indague sobre a origem da fé raciocinada. A fé raciocinada nos vem de Jesus, dos ensinamentos do seu Evangelho. O Mestre mudou completamente o próprio conceito de religião, introduzindo no campo até então puramente emocional da fé, a componente razão, entendimento. Ninguém, até Jesus, fez tantos apelos ao raciocínio no âmbito religioso. Kardec, conhecedor profundo da atuação de Jesus, o conhecia, não como um místico, mas como um educador de almas que, ao tempo em que tocava o sentimento daqueles que o ouviam, sabia também levá-los ao entendimento das lições.  Jesus nunca explorou a emoção de ninguém. Sua fala, mansa e humilde, precisa e firme, era dirigida ao sentimento e à inteligência. Suas lições foram sempre pautadas no diálogo, através do qual propunha o exame racional daquilo que ensinava.

Os apelos que Jesus, nas suas lições, fazia não só ao sentimento, mas também à inteligência, foi objeto de estudo até mesmo fora do ambiente espiritualista, por um médico psiquiatra, Augusto Jorge Cury, quando diz: “... ele não anulava a arte de pensar, ao contrário, era um mestre intrigante nessa arte. Cristo não discorria sobre uma fé sem inteligência. Para ele, primeiro se deveria exercer a capacidade de pensar e refletir antes de crer, depois vinha o crer sem duvidar. Se estudarmos os quatro evangelhos e investigarmos a maneira como Cristo regia e expressava seus pensamentos, constataremos que pensar com liberdade e consciência era uma obra-prima para ele.” Jesus não impunha suas idéias, não violentava consciências, nem exigia fé cega, sem exame. Sua mensagem sempre foi dirigida ao intelecto e ao sentimento, bases legítimas da fé raciocinada.

A Fé e a Lamentável Postura de Algumas Religiões


Algumas religiões, lamentavelmente, procuram manipular as consciências, incutindo idéias de medo, impondo comportamentos, reduzindo consideravelmente o livre arbítrio, induzindo, assim,  o ser humano a não deixar o pensamento fluir livremente, inibindo-o de demonstrar toda sua identidade e autenticidade, o que, levado ao excesso, pode conduzir ao fanatismo. O mundo está cheio de exemplos tristes dos frutos do fanatismo religioso. Em nome da fé, quantas perseguições, quantas mortes e até guerras? Ainda nos dias atuais, pessoas de algumas religiões vertem seu próprio sangue, ferindo seus corpos, se entregam a privações terríveis, ou mesmo dão cabo da própria vida, no intuito de mostrar sua fé em Deus. Se raciocinassem, veriam que Deus, como Pai amoroso, bom e misericordioso, nunca poderia ser homenageado com o derramamento do sangue dos Seus filhos. Essa concepção de um deus sanguinário, combateu-a o Profeta Elias, séculos antes de Jesus, quando enfrentou os sacerdotes adoradores do deus Baal. (I Reis, 18: 22 a 40).

A fé verdadeira não é aquela que se fixa em objetos materiais como cruzes, escapulários, bentinhos, talismãs, amuletos, medalhas, etc., conforme estimulado e aceito por algumas religiões. O verdadeiro portador daquela verdadeira, tem fé em Deus, em Jesus, nos bons Espíritos, entidades dotadas de sentimento e de inteligência, seres capazes de movimentar recursos em seu favor

A Fé face à Ciência


Historicamente, as religiões sempre lutaram para impor a seus seguidores uma fé ingênua e ignorante, baseada em dogmas que, quase sempre, se opunham às descobertas da ciência. A exemplo do grande físico, matemático e astrônomo Galileu Galilei, que foi obrigado a renegar os seus conhecimentos científicos, diante dos tribunais, para evitar a pena capital, a qual tentaram lhe impor. Ao longo dos séculos, esta mesma fé cega tem alimentado o fanatismo e a intolerância religiosa, levando os homens a cometer crimes brutais, tirando, inclusive, a vida de seus irmãos em nome de Deus. O poder exercido pela religião, ao longo de muitos séculos, foi um entrave ao desenvolvimento da ciência e dos avanços tecnológicos. Não fosse a evolução científica diante de descobertas baseadas em análises racionais, possivelmente ainda viveríamos nas trevas da ignorância.

Na atualidade, várias religiões, como o Espiritismo, não aceitam o conflito entre a fé e a ciência, ao contrário, alia-se a esta, proclamando uma fé raciocinada, baseada no estudo e na compreensão das ideias, de acordo com as descobertas científicas de sua época. Na realidade, a Ciência e a Fé, constituem-se, em tais casos, em duas verdadeiras alavancas da inteligência humana. Uma revela as leis do mundo material e a outra, as leis do mundo moral. Ambas as leis, tendo, no entanto, o mesmo princípio, que é Deus, não podem contradizer-se, visto que, se uma contrariar a outra, uma terá necessariamente razão enquanto a outra não a terá, já que Deus não destruiria sua própria obra. A falta de harmonia e coerência que se acreditou existir entre essas duas ordens de idéias, baseia-se num erro de observação e nos princípios exclusivistas de uma e de outra parte. Daí resultou uma luta e uma colisão de idéias que deram origem à incredulidade e à intolerância. 

A Aquisição da Fé

Fato digno de nota é que a fé verdadeira não se conquista de uma hora para outra. Ela se adquire com o tempo, é fruto de experiências vivenciadas, embora pareça de algum modo inata em certas pessoas, nas quais uma centelha basta às vezes para desenvolvê-la, o que constitui sinal evidente de anterior progresso. Em outras pessoas, ao contrário, a dificuldade de ter fé é muito grande, um indício não menos evidente de uma natureza retardatária ou pelo menos refratária a isso. A fé sincera é empolgante e contagiosa. Comunica-se aos que não a têm ou mesmo não desejam tê-la. Encontra palavras persuasivas que vão à alma, ao passo que a fé aparente utiliza tão-somente palavras sonoras, que deixam frio e indiferente, quem as escuta. 

Na sua caminhada evolutiva, o espírito vai conhecendo as leis de Deus, vai percebendo-lhes a perfeição e, quanto mais as conhece, mais se identifica com elas, mais confia na justiça e no amor do Criador, mais se conscientiza da Sua perfeição, mais tem fé. Essa a fé que nasce do entendimento. Inabalável, indestrutível. Emmanuel ensina: “Ter fé é guardar no coração a luminosa certeza em Deus, certeza que ultrapassou o âmbito da crença religiosa, fazendo o coração repousar numa energia constante de realização divina da personalidade”.

A Verdadeira Fé


A fé, aqui preconizada, não é uma fé contemplativa, capaz de levar uma pessoa à imobilidade, em situações de êxtase, em que fica aguardando providências de Deus em seu favor. Ao contrário, é uma fé dinâmica, edificada vagarosa e conscientemente pelo Espírito, à medida que evolui, conforme ensina Emmanuel: “A árvore da fé viva não cresce no coração miraculosamente. A conquista da crença edificante não é serviço de menor esforço. A maioria das pessoas admite que a fé constitua milagrosa auréola doada a alguns espíritos privilegiados pelo favor divino.” 

Finalmente, já foi dito, "a fé é mãe da esperança e da caridade", o que é facilmente compreensível, porque todo aquele que, realmente, a possui, apresenta um sintoma de que já conquistou estágios importantes e, como tal, ela já está incorporada ao seu acervo, tornando-se natural a prática do amor e da caridade. A importância do ser humano ter um pleno entendimento da fé, o levará a vivenciar melhor a atual existência, o aqui e agora, e a pautar todos os seus atos dentro de uma moral e de uma ética elevadas.